Histórico:
Art Nouveau significa “arte nova”; é o movimento artístico que surgiu na Europa e nos EUA, na última década do século 19, e terminou ao mesmo tempo em que a Primeira Guerra Mundial.
De início, era um movimento restrito apenas à arquitetura e ao design, mas acabou tendo influência nas artes plásticas, gráficas, no design de móveis, entre outras.
A inspiração para o aparecimento desse novo estilo se deu no Arts & Crafts, movimento surgido na Inglaterra, na segunda metade do século XIX. Era um movimento que buscava conciliar a produção em massa das indústrias e a produção artesanal de bem gosto. Nestes casos, mesmo que a peça fosse industrializada, deveria ter um acabamento perfeito, como se fosse feita por um artesão da Idade Media. O principal defensor dessa ideia foi o artista plástico socialista Willian Morris, cujo ideal, inspirado pelo escritor e crítico de artes John Ruskin, era tornar a boa arte acessível a todos.
O arts & crafts durou de 1860 até meados do fim do século XIX, mas deixou profundas raízes para o advento do art nouveau. Características como a sinuosidade dos desenhos e formas, flores, arabescos e cores, remetendo à arte medieval, foram o principal legado e referência para o art nouveau, além da arte refinada, artesanal, decorativa e natural do Oriente.
O orientalismo, por sua vez, foi introduzido na Europa pelas mãos de Siegfried Bing, o maior marchand e colecionador de artes orientais da época. Anos antes, este comerciante de origem alemã havia feito uma longa excursão pela Índia, China, Japão, e se encantou com a arte sutil e delicada que se fazia nesses países. Percebeu que talvez esse estilo oriental de fazer arte, baseado nos trabalhos artesanais e no aspecto decorativo, tinha potencial para conquistar os gostos da sociedade parisiense.
Em dezembro de 1895, Bing decidiu reunir arquitetos, escultores, artistas plásticos e designers de interior para redecorar sua galeria de acordo com as influências da arte oriental, e a rebatizou de L'Art Nouveau.
Entusiasmado com o sucesso da nova arte na França, Bing reformou sua casa utilizando as novas tendências estéticas que propôs, e em 1900 apresentou seu projeto de decoração na Exposição Universal de Paris. A partir desse evento, a art nouveau ganhou notoriedade e reconhecimento internacionais.
Nos outros países o estilo foi ganhando um novo nome, e suas adaptações, conforme o estilo de cada artista:
- Na Alemanha se chamava jugendstil, ou traduzindo, o estilo da revista “Die Jugend”.
- Na Áustria era o sezessionstil, ou estilo de secessão. O grande mestre Gustav Klimt fazia parte dessa geração de artistas plásticos austríacos.
- Na Inglaterra, é o modern style, ou flower art.
- Na Itália é o liberty, ou floreale.
- Na Espanha era o modernista.
As características e obras de cada artista do art nouveau:
Os artistas, escritores e pensadores procuraram romper com o romantismo, e trazer à arte valores realistas, práticos, simples, naturalistas e aplicáveis ao dia-a-dia. Havia todo um contexto social que buscava a aproximação de valores pragmáticos às belas artes, sem lhes tirar a beleza e a sublimidade.
Como dissemos antes, desde o arts and crafts, até a consolidação do art nouveau como movimento artístico, valorizava-se muito a produção artesanal em massa. O raio de influência se estendeu, desde as primeiras obras arquitetônicas até a moda nas ruas.
Na ocasião vivenciava-se a todo vapor a Belle Époque, período que coincidiu com o surgimento do art nouveau. A indústria sofreu uma grande revolução tecnológica, era a época das grandes descobertas científicas, vivia-se uma era de grande criatividade artística, uma intensa ebulição cultural e social. De certa forma o capitalismo consumista, não obstante o ideal socialista amplamente defendido por muitos pensadores e escritores na ocasião, dava seus primeiros passos ali na França, onde se estimulava fortemente o divertimento nos cafés, boulevards, teatros, cabarés. Foi a época do surgimento do cinema, dos automóveis, do telefone e do telégrafo sem fio, dos aviões, da eletricidade. Isso permitiu o crescimento quase desenfreado da urbanização.
Vários elementos de tecnologia e engenharia contribuíram para a modernização das artes em geral, agregando novos materiais, mais usuais, e mesmo assim, de alta qualidade.
Vejamos caso a caso:
A arquitetura:
A art nouveau teve seu princípio com os arquitetos e designers de interior, desde a Belle Époque.
O estilo remetia de certa forma ao barroco e ao rococó, mas sem os exageros deste. De ambos retirou especialmente a ornamentação, a sinuosidade das curvas, as cores mais vivas, temas florais e outros elementos da natureza, como animais, água, fogo, etc. Mas a peculiaridade do art nouveau estava em adaptar a beleza e delicadeza de formas às necessidades práticas e funcionais que a vida moderna começava a trazer.
A arquitetura art nouveau era um tanto inusitada, por vezes exibindo construções de aspecto pitoresco e assimétrico. O grande pioneiro do estilo foi Victor Horta, um arquiteto belga. Suas obras mais importantes têm como principal característica a utilização do ferro, o vidro e a madeira como detalhes da obra. O Hotel Solvay, por exemplo, possui uma fachada curiosamente assimétrica, como se fosse esculpida em pedra, e na verdade é o próprio concreto que dá formas aos desenhos arquitetônicos. As estruturas das construções, em vez de ocultadas, antes servem de detalhe e acabamento da obra.
Algumas particularidades de Horta são possíveis de se ver em outra grande obra sua, que é sua própria casa: as escadarias sinuosas e arredondadas de mármore, cujos corrimões de ferro ostentam floreios em forma de arabescos delicados, sugerindo trepadeiras. Nos vãos e portas também existem esses detalhes. O chão feito de mosaico de ladrilhos, as paredes e vitrais seguem o mesmo padrão de desenhos. Os lustres têm o formato de pencas de flores. São bastante evidentes as características da natureza em cada parte.
Outras de suas construções mais famosas são: a Casa Tassel e a Casa do Povo, esta última já demolida nos anos 60. Era um prédio todo de vidro, cuja fachada era curva, algo nunca feito antes e muito comum hoje em dia.
Henri van de Velde, junto com Horta, foi o arquiteto que influenciou as mudanças estéticas que Bing viria a promover posteriormente. De início, era pintor, e passou a estudar arquitetura em 1892. É o que mais expressa a funcionalidade e economia do arts and crafts, declarando que a praticidade das construções deve estar acima da ornamentação.
Outros arquitetos importantes foram o catalão Antoni Gaudi, com seu estilo neo-gótico. A exemplo de Eugène Viollet-le-Duc, outro arquiteto da art nouveau, usou amplamente o revival medieval, principalmente nos templos e catedrais que projetou. Suas obras tinham algo de surreal, e alguns toques da arquitetura catalã. Católico fervoroso, sua maior obra foi o Templo Expiatório da Sagrada Família, dentre várias outras igrejas, e algumas casas.
Eugène Viollet-le-Duc, por sua vez, buscou adaptar a rígida arquitetura gótica à funcionalidade nascente do século XIX. Ele era especializado em restaurações de castelos e monumentos da Idade Média. Conseguiu unir o aço e o cimento valorizados na ocasião com as belas artes de quinhentos anos antes. Em outras palavras, usou material e tecnologias mais avançadas para reconstruir o que era antigo.
Vários nomes e obras importantes podem ser mencionadas, como Émile André, Hector Guimard, August Endel, entre vários outros.
Artes plásticas:
Vale recordar que muito do estilo sofreu várias influências da litogravura, e da pintura e caligrafia japonesas. Considerando isso, vamos aos dois maiores nomes da pintura art nouveau: Toulouse-Lautrec e Klimt.
Lautrec nasceu em Novembro de 1864, e morreu jovem em 1901. Era filho de um casal de nobres. Desde criança sempre gostou de desenhar. Sofria de uma doença óssea desde o nascimento, e aos 14 anos sofre um acidente, no qual fratura uma perna. Meses depois, quebraria a outra perna, e isso fê-las ficarem atrofiadas: ele media 1,50 m mesmo depois de adulto.
Começou a pintar por volta de 1880, mas seu primeiro professor era um classicista que não apreciava os novos movimentos artísticos, como o Impressionismo por exemplo. Abandonou as aulas com ele, e passou a estudar com Fernand Cormon.
Foi nessa época que começou a se envolver com a ralé e a malandragem de Paris. Não gostava de pintar paisagens como os impressionistas: preferia retratar os bares, cafés, as vedetes a dançar can-can, atores e atrizes, operários, gente pobre e marginalizada em geral. Seus retratos sempre enfatizavam o que havia de pior e mais feio, sempre com um traço psicológico, vindo de seu olhar irônico sobre as mazelas das pessoas.
Mas o que toda essa suposta “degradação da arte”, como diriam seus críticos mais ferrenhos na época, tinha em comum com a arte prática, mas ainda assim elitista e preconizadora do belo, como a art nouveau?
Vejamos suas obras mais famosas: os desenhos e pastiches que fazia para cartazes de teatros, do Moulin Rouge e outros cabarés. Suas gravuras têm evidentemente influência das litografias japonesas, como vários outros segmentos artísticos da art nouveau. No caso de Lautrec, são notórios elementos como as cores pastéis, os contornos negros finos, o pouco ou a ausência de sombreamento, como nos chamados “desenhos flutuantes” japoneses, e o estilo quase caricato de retratar as pessoas. Igualmente às obras orientais, as suas foram feitas para serem reproduzidas em série – outra característica do art nouveau, como já vimos.
Suas modelos favoritas eram a famosa inventora do can-can, Louise “La Goulue” Weber, a cantora Yvette Guilbert, e a dançarina Jane Avril.
Lautrec levava uma intensa vida boêmia, e sua saúde não era das melhores desde a infância. Morreu aos 36 anos de idade, em 9 de Setembro de 1901, vítima da sífilis e do alcoolismo.
Klimt nasceu em Viena, Áustria, em Julho de 1862. Vinha de uma família pobre, e tinha vários irmãos. Precoce, foi aceito na Escola de Artes e Ofícios aos 14 anos de idade.
Posteriormente, com seu irmão Ernst e Franz Matsch, fundaram a Companhia dos Artistas. Nessa ocasião a arquitetura e decoração típicas da art nouveau, com seus temas florais, estava eclodindo. Klimt então foi convidado a pintar afrescos e quadros no Teatro Imperial. Com a morte de outro artista, Hans Makart, teve de terminar seus afrescos na escadaria e no teto do Museu da História da Arte.
A partir de então, obteve reconhecimento, e foi chamado a decorar vários outros prédios na principal avenida cultural de Viena: a Ringstraße.
Ele deixaria a Companhia dos Artistas e integraria a Sezession, após algumas desavenças com as universidades que lhe encomendaram quadros, nos quais esperavam que ele mantivesse o estilo puramente decorativista. Klimt passaria a criar uma arte mais “feminina”, exaltando o nu, o natural. Foi taxado de obsceno pelos puritanos, por causa do liberalismo chocante dos 3 quadros encomendados: A Filosofia, A Jurisprudência e A Medicina. Estes quadros desapareceram em um incêndio anos depois.
Sua arte passou a ser marcada pelo simbolismo. A partir de seu mural Friso Stoclet, ele começa a inserir as figuras geométricas que seriam uma das marcas de sua obra. Esse colorido, envolvendo e misturando-se a figuras humanas realistas, serviriam de inspiração para a psicodelia nos anos 60 do século XX. Ele cria sua obra-prima nesse estilo: O Beijo.
Suas obras finais chocaram ainda mais a sociedade, pois tinham apelos eróticos explícitos, e agora eram marcadas pela simplicidade de linhas, cores e fundos. O nu passou a ser uma constante, às vezes chegando a mostrar a genitália feminina e o ato de se masturbar. Morreu a 6 de Fevereiro de 1918, ítima de um ataque cardíaco.
Ilustração e desenho gráfico:
Assim como na pintura, a litografia e caligrafia japonesas estavam fazendo sucesso naquele momento na Europa. A simplicidade de linhas e detalhes, as cores sóbrias, ou a ausência delas, tiveram amplo desenvolvimento através das mãos de grandes ilustradores.
Aubrey Beardsley foi o maior nome entre eles. Seu estilo consistia no uso da economia de detalhes misturados com os desenhos medievais, muito similares às figuras da Dama, Valete e Rei das cartas de baralho.
Seus desenhos têm alta explicidade erótica, além de várias alegorias. Era bastante influenciado pelo seu amigo, o escritor Oscar Wilde, com quem compartilhava a visão cínica a respeito do mundo.
O próprio escritor também desenhava, mas estes seus trabalhos não são tão conhecidos.
Toulouse-Lautrec também fazia esses trabalhos específicos de design gráfico, como já vimos. Sua arte tinha exatamente o que os designers buscavam: praticidade, beleza e profundidade simbólica. Outro pintor famoso, embora do estilo expressionista, que fez belas litografias e xilogravuras foi Edvard Munch, o autor do famoso quadro “O Grito”.
O tcheco Alfons Mucha também se inclui entre os maiores designers da art nouveau. Trabalhou principalmente para a atriz Sarah Bernhardt e em geral para o Théâtre da Renaissance em Paris. Desenhou muitos anúncios de biscoitos, sabonetes, e outros produtos. Mais tarde ele também se tornaria designer de joias.
Vitrais:
Impossível falar dos vitrais artísticos da art nouveau sem mencionar Louis Comfort Tiffany. O artista que viria a ser o grande empresário, dono da poderosa Tiffany & Co.,iniciou em 1879 sua fábrica de objetos de vidro. Mais tarde, expandindo seus negócios, assumiu também a joalheria do pai, e se especializou em decoração de interiores.
Seus vitrais, seus trabalhos em vidro soprado, e o uso do vidro em decorações, abajures, lustres e mosaicos refletem marcadamente o estilo art nouveau dos Estados Unidos.
René Lalique foi outro grande mestre na arte de esculpir belíssimas obras em vidro. Suas obras são magníficas e únicas: frascos de perfume, candelabros, taças, copos, relógios, todos com forma de animais, flores, pessoas ou seres mitológicos. Também era designer de joias.
Criou sua fábrica para produzir em massa suas peças de vidro. Também fez esculturas de grande porte, para adornar grandes obras, como portais de hotel ou chafarizes.
Émille Gallé pintava em vidro opaco. Gostava de pintar motivos tropicais, e teria se inspirado no Rio de Janeiro.
Outras artes:
Incluem designers de objetos diversos de decoração e uso, como cerâmicas, baixelas de metal, joias, móveis, esculturas.
A Art Nouveau e a questão social:
A art nouveau surgiu como uma forma de quebrar os paradigmas do romantismo, impulsionada pela onda realista, iluminista e científica vivida pela sociedade na época. A burguesia passa a ganhar força. A moda, os costumes, a filosofia, todo o Ocidente passa por uma transformação, que culmina na urbanização desenfreada, no cosmopolitismo e na sede de consumo cada vez maior.
As máquinas agora eram capazes de produzir arte em série. Ou pelo menos serem comandadas segundo as determinações do artista criador, produzindo as partes principais do objeto, para que o artista possa dar o seu toque pessoal no acabamento.
Era o princípio do que nos dias atuais chamamos de descartabilidade da arte.
A bela arte passava a ser feita com materiais de qualidade inferior e em larga escala, para que pudesse chegar às classes mais baixas, e por estas serem admiradas e consumidas.
Em tese, era o retorno do trabalho artesanal, com a ajuda da tecnologia, para que o mesmo pudesse ser massificado.
Mas o que de fato era a democratização da arte, e o que era a indução à ilusão do chamado “fetichismo da mercadoria”? O que estava por trás desse suposto rejuvenescimento das artes mais nobres e antigas, que despertava a cobiça dos mais pobres e lhes dava a impressão de acessibilidade?
É verdade que desde o arts and crafts havia por trás dessa renovação um ideal socialista, inspirado nas guildas medievais, como defendia William Morris. É também verdade que havia a pretensão de um rompimento com tudo o que representava o tradicional e clássico da arte até então. E que o objeto deveria reunir em si a utilidade além da mera beleza.
O que estava sendo disseminado na realidade era o ideal de renovação, de libertação de um mecanismo opressor totalmente utópicos, já que crescia o número de operários que trabalhavam nessas fábricas, mas obviamente não eram considerados “artesãos”. O custo de suas mãos-de-obra era gritantemente mais baixo que o preço do produto final, e com certeza os operários não tinham participação alguma nos lucros das vendas dessas obras de arte.
No final o art nouveau não era uma arte do povo para o povo, e sim uma arte lucrativa para o capitalismo desenfreadamente consumista sustentado pela burguesia, que ainda mantinha os trabalhadores no mesmo sistema opressor que geralmente as indústrias proporcionavam. Ainda que os iludisse quanto a isso, e os fizesse acreditar nessa suposta onda de popularização das belas artes.
0 comentários:
Postar um comentário